O empreendedor

Neco tem apenas 13 anos de idade e movimenta vários fronts de guerra. É responsável por colocar o "terno de reis" na brincadeira de canto com seus colegas, além de organizar o time de futebol de várzea "Bola Branca" da Rua Cruz e Sousa, no Morro do Céu, puxar o Boi de Mamão na sede da associação do bairro, e mandar ver no "Arranco", batucada coletiva que ensaia antes do carnaval.

Um guri que é empreendedor e faz muito mais pela sociedade do que eu. E é o Neco de apenas 13 anos. Um neguinho visionário do Morro do Céu.

Num quintal com romãs

Chuvia muito, mas muito mesmo. Nas entranhas do Morro da Queimada, em 25 de março, chegamos à casa de D. Rosa, uma jovem senhora, dona de um lar aconchegante, com quintal super cuidado pelo marido, comportando pés de romã, buganvilha, manjericão... A percepção de comunidade nela não tem teoria, e sim prática, desenvolvida entre várias atividades, entre elas participação no projeto Aroeira, do Padre Vilson.

Ela afirmou, quando perguntada sobre sua cor, que não é negra, não se identificando com a mobilização da causa afro-descendente. Ela diz que é bugre, de família misturada do sul do estado. Quando perguntei sobre o marido, respondeu: - "Ah sim, ele é um negão lindo, tu acha que eu ia deixar escapar?".

Além de firmes opiniões, ajuda um monte de gente. D. Rosa, ensinadora de encantos.

E tem Ed Soul nazárea

Ed Soul não é nem o cara, é O Cara. Na laje em cima da casa da mãe, no Morro da Mariquinha, ele conversou com a gente durante 2 horas. Quero aproveitar o material para os extras do DVD, porque ele merece toda a atenção, e muito mais. O ponto alto da entrevista foi falar sobre preconceito. E o que eu achava que seria dito, ao contrário. Consciência e atitude. Ed Soul.

Bernunça tem filhotes

Um boi-de-mamão só prá nóis. Na sede da Associação do Morro do Céu (Amor), a noite revelou um pouco da cultura da ilha ainda viva e pulsante. A maricota me deu uma braçada enquanto filmava, e o urso branco uma rasteira. E adorei tudo, porque na minha infância, vivida nos altos da trindade, numa noite quente de verão, ouvindo a batucada lá embaixo era a coisa mais massa do mundo. Hoje o boi-de-mamão não existe mais na trindade, mas meninas e meninos de algum lugar desse Desterro ainda o cultiva. Mas tende a desaparecer por falta de apoio. A gatinha que sorri na foto é a esperança. É o dia de hoje, e o amanhã.

Na escadaria do Tico-Tico

Jucinar é irmã do Téta. Na escadaria do Tico-Tico, quase na divisão com a Mariquinha, ela conversou com a gente e riu muito, e nos fez rir, de uma maneira leve, gostosa, sem preconceitos, transparente. Uma mulher show.

Com Téta não tem migué

O nome dele é Téta. Que figura, que rapidez, que malandragem. Com 49 anos, o cara nos deu um banho. Quando propus um "bate bola" de idéias, com palavras chave, Téta não só opinou sobre tudo e todos, como continuava: - "Não tem mais nada? Pergunta mais!".

Ele faz parte de uma geração que viveu uma infância livre na encosta oeste do Maciço, onde o mato tomava conta, e prevalecia o futebol, a música, a camaradagem. Depois, viu a comunidade se transformar, ele mesmo, um contraventor arrependido, sente falta do clima do passado. Mas não sai dali de jeito nenhum, nem se ganhar na mega-sena.

O prato predileto do Téta é cocoroca frita com farinha. Uma cosa! Hehehehe.

Dona Maria é "Gente Amiga"

Depois de filmar 6 horas seguidas no Alto Caeira, resolvi dirigir (com o carro) mais um pouco, pegando a rua atrás da RBS. Descemos pelo Morro do Horácio, era perto do meio-dia de 24 de março, sol de rachar.

Encontramos D. Maria, em frente ao centro espírita "Gente Amiga", e desses encontros ao acaso filmamos a conversa, maravilhosa. O neguinho ao lado da Shau se apaixonou pela nossa assistente braço-direito, e se ofereceu a ajudar com o rebatedor.

Não foram poucas as vezes que a molecada chegou junto (claro, de vez em quando falando demais), se dispondo a ajudar de qualquer forma, segurando guarda-sol, cuidando da rua, tirando fotos still... A atração pelo equipamento nas crianças é absurdo.

E D. Maria nos contou sobre como conseguiu criar seus filhos, no morro do Horácio, com dignidade, recebendo o salário mínimo de faxineira.

Passando pelo Xeca-Xeca

A molecada do Xeca-Xeca, procurando alguma coisa no entulho, alguma coisa, coisa qualquer, e sorriem para minha câmera still, amigos.

Cosmética do entulho

O termo cosmética da fome, cunhado pela pesquisadora Ivana Bentes, diz justamente sobre uma estética onde o campo imagético da pobreza do Brasil é revelado pelas lentes dos cineastas, talvez de uma forma pejorativa, pelo fato destes pertencerem a uma elite (intelectual) e o mundo retratado não vem da intimidade do realizador.

Por outro lado, Jean-Claude Bernadet se incomoda com este termo, observando que a arte não se isenta de finalidades, portanto o termo provém de uma idealização romântica. Aqui, no Maciço, eu poderia cunhar um novo termo, o da "cosmética do entulho", e entrar no campo da autocrítica para entender melhor o porquê de fazer este documentário.

Esta foto diz tudo. O que eu não quero, é que uma cosmética do entulho faça parte de minhas escolhas finais na montagem do documentário. Eu quero é registrar o mundo de alguns moradores de Florianópolis, que têm muito a dizer. Só isso.

Histórias que se cruzam

Na elaboração do projeto, pensamos muito nas possibilidades estéticas do filme. Eu, a Karen e o Luciano Burin chegamos num consenso que teríamos pela frente um desafio enorme. Privilegiamos na produção a concentração da equipe nas entrevistas com os personagens, escolhidos pela pesquisa.

A partir daí, uma rede foi criada, e dos principais, fomos encontrando dezenas de personagens com histórias de vida e opiniões tão interessantes, que se cruzavam. A equipe portanto tratou de seguir essa rede. E dentro das imagens que captamos nos morros, uma das mais significativas é esta, do poste dos fios de luz, das rabiolas de pipas e dos gatos, símbolos do crescimento urbano e das memórias coletivas.

A voz que vem da alma


Pedimos uma palhinha prá ela cantar. Ficou um pouco tímida, e quando soltou a voz, tive que me conter enquandrando a câmera 2. Mas no fim da entrevista, me fez chorar. Apenas uma lágrima, pois sabia que precisava de forças prá continuar a produção, mas ao mesmo tempo sabendo que aquele encontro foi único, e precisava de mais, de mais tempo com ela, de querer acompanhá-la no dia a dia.
A encontramos no curso de estética afro ministrado na sede do colégio marista, embaixo da paróquia do Padre Vilson. E o que ela cantou, não foi um rap, nem um gospel, nem um charm, simplesmente veio da alma.

Gestos de Armas

A galera da Serrinha tem um visual que vai desde a baía sul até o saco grande. Adoram um rap e na foto ensaiaram uma pose tipo Cidade de Deus. A 200 metros dali, na Ufsc, um espaço onde eles nunca frequentarão. Apenas vão ver de longe, uma pipa ou outra sendo rabeada, até crescerem e se tornarem o incerto.

A Cidade de Cima


O moleque observa a cidade. O cano é numa ruela do Monte Serrat. O que tem lá embaixo, não tem tanta plasticidade.

Líder Comunitária

Maria Ivonil é uma líder comunitária por excelência. Toda a situação do Alto Caeira é por ela interpretada de maneira objetiva e incansável. Se fosse candidata a prefeita faria campanha! A foto é na lage do centro comunitário, e apesar do dia nublado e do caminhão que vende cebola com megafone, atrapalhando o áudio, a entrevista foi ótima.

Um Armário Vazio


Dois Homens e Um Armário, curta-metragem filmado em 1958 por Roman Polanski, mostra uma situação insólita onde o móvel se move pela cidade e cai num penhasco. Lembro de um clipe do The Cure onde o armário cai e dentro dele um universo acontece. Nada mais sintomática que essa imagem, captada no alto do Morro do Horácio. Um armário abandonado, cheio de cadávares loucos por serem descobertos. Hoje o morro mais problemático da violência e do tráfico, onde um de nossos possíveis entrevistados foi assassinado com 8 balas.

Sabedoria é Pouco

Dona Terezinha é uma daquelas pessoas raras que trazem no caráter um fervor natural de pensar no coletivo. Uma das primeiras moradoras do Alto Caeira, ela discursou não só sobre a necessidade de saneamento básico na comunidade em que vive a 20 anos, e ainda falta água, mas também sobre as possibilidades de futuro dos jovens. Seu raciocínio é impressionante, amarrando todos os temas nas nossas conversas, de forma clara e elegante. Quero voltar a almoçar um dia naquela casa, cheia de crianças e mistérios.

Marcas Para um Futuro

Dirigir um filme desse tipo não é mole. A recompensa vem na forma de um registro, na captura de um momento, um olhar. Daí percebo que é possível pensar num futuro melhor. Percebo como existe afeto em lugares escondidos na minha própria cidade, lugares que fazem parte de nossa história, mas são sistematicamente abandonados. E o carinho é espontâneo, livre, inocente. Nessa foto, a Bruninha e eu, antes de subirmos o Morro do Mocotó em direção ao carro para irmos embora, numa tarde de 06 de março.

Marrudo Sangue Bom

Quando conhecemos melhor as pessoas, tendo a chance de conversar, descobrimos um outro lado que não transparece pela imagem. A intenção de qualquer documentário é captar esse outro lado, e com o Bruno não foi diferente. Em seu habitat natural, no coração do Morro do Mocotó, o cara nos ensinou como é difícil superar preconceitos, e como é melhor ser do bem, criando condições favoráveis para que seus filhos trilhem um caminho digno. Família é tudo, e com uma vó como Dona Luci o cara manda ver.

A Voz do Gueto

Talvez a melhor entrevista tenha sido protagonizada pelo Alex, ou Alexsandro, um cara que tem quase a minha idade. Por ter nascido no Morro da Caixa, ou por ser negro, as chances de reconhecimento desse artista cantor-rapper-poeta talvez sejam muito menores que as minhas. Ficamos de cara com a performance dele com o parceiro Dhychok na música "Crianças do Gueto". Quero que vire trilha sonora do Doc.

Consciente e Talentosa

Ana Carla foi fundamental para a filmagem do documentário Maciço, simplesmente porque essa jovem de 19 anos tem consciência do mundo ao seu redor. Nascida no Monte Serrat, ela mora no Morro da Queimada, e apesar de todas as dificuldades encara dois cursos superiores, tem ambição de mais, e canta lindamente.

Seo Cabeludo, o Cara

Todos indicaram seu nome. Apenas simpatia e honestidade Seo Cabeludo nos transmitiu. Era uma sexta-feira à tarde, dia 02 de março, entre uma ação e outra da polícia de elite e a galera que fica na subida do Morro do Mocotó. Seo Cabeludo é morador antigo, cheio de histórias prá contar. Tomamos algumas geladas com ele, e rimos bastante.

O Mestre Seo Teco

Era apenas uma manhã de chuva esparsa em 13 de fevereiro. Mas uma manhã brilhante, com a presença de Seo Teco, um dos personagens da velha guarda do Maciço. Em cima da lage da casa de seu vizinho, no Monte Serrat, esse distinto cavaleiro deu uma amostra de sua elegância e vivacidade, contando histórias de como era o morro, a cidade e as pessoas antigamente e hoje em dia. Inesquecível.

E Dá-lhe Mocotó

Na segunda-feira de 12 de fevereiro, com sol de rachar, gravamos o depoimento de Dona Luci, matriarca da tradicional família Bittencourt no Mocotó. O almoço foi muito bom, com direito a molho especial de carne da "Vó". Ela é uma figura muito simpática, viva, e conversamos abertamente sobre vários assuntos. O guri na foto é um dos bisnetos, que nos presenteou com um ensaio de mestra-sala mirim da Protegidos da Princesa.

Reaction

A foto foi tirada pelo Fabrício, de 14 anos, durante a entrevista de hoje na frente da casa da Dona Maria Argentina, matriarca do Morro do Céu. O guri ao fundo é o Neco, de 13 anos, líder da molecada, que organiza a "bola branca", time de várzea, e recentemente instituiu, por iniciativa própria, o cultivo do canto de terno de reis com a molecada. De boné, Vilmar, vice-presidente do "arranco", o bloco de carnaval do morro. Depois, Regina e Andresa. No molequinho em primeiro plano leio "reaction" em sua camiseta, que me remete à atitude que todos eles devem ter em relação ao descaso da sociedade.

Perto do Paraíso

Fotenho tirada pelo Fabrício, de 14 anos, num momento espontâneo. Estávamos filmando agora à tarde no Morro do Céu, na rua Cruz e Sousa. O moleque com a camisa do palmeiras me deu uma bolinha de gude de presente. Fiquei emocionado.